A inviolabilidade do lar não é absoluta em casos de violação de direitos fundamentais de crianças e adolescentes vítimas de trabalho infantil doméstico, informou hoje (12) o coordenador nacional de combate à exploração do trabalho de crianças e adolescentes do Ministério Público do Trabalho (MPT), o procurador Rafael Marques. Segundo ele, em casos de cerceamento de liberdade, maus-tratos e exploração sexual desses jovens – situações em que há, legalmente, a prática de um crime –, a inviolabilidade prevista na Constituição é suspensa para que as autoridades possam entrar na casa.
“Nesse momento, a inviolabilidade é suspensa e a autoridade pode entrar no domicílio. Portanto, a casa não é absolutamente inviolável. Há situações em que ela acaba por propiciar a flagrância do ato de ilicitude e a respectiva responsabilização”, disse Marques.
De acordo com ele, esses casos podem ocorrer se houver denúncia, por meio do Disque 100, – seguida dos devidos procedimentos, como a coleta de evidências e a verificação inicial de que há algum tipo de exploração de mão de obra infantil.
Legalmente, é considerado trabalho infantil toda prestação de serviço, remunerada ou não, no âmbito da casa da família ou de terceiros, em que a atividade traga prejuízos a outros direitos – como o de ir e vir e o de frequentar a escola. Caso as atividades domésticas, na própria casa, sejam feitas de forma colaborativa com os demais membros da família e não prejudiquem outras atividades, ela é considerada lícita.
Atualmente, o trabalho infantil pode ser punido de três formas: por meio de responsabilização administrativa, em forma de multa aplicada por auditores fiscais; civil, por meio do pagamento de verbas contratuais rescisórias decorrentes da relação de trabalho e de eventuais danos morais (como constrangimento) ou materiais (como acidentes ou doenças); e penal, quando há violação de direitos fundamentais.
Para o procurador, é importante que seja mantida a proibição do trabalho doméstico a menores de 18 anos, prevista no projeto de lei (PL) sobre os direitos dos empregados domésticos que tramita no Congresso.
“Foi duro fazer vingar a proibição do trabalho a menores de 18 anos de idade no PL. Foi uma intensa articulação. Por alguns momentos, pensamos que o Brasil poderia retroceder nesse sentido, especialmente em um ano crítico como este [em outubro de 2013, o Brasil sediará a Conferência Global sobre Trabalho Infantil]. Seria vexatório”, explicou Marques.
O representante do MPT participou hoje da divulgação do estudo do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPeti), O Trabalho Doméstico no Brasil, e do lançamento da campanha Tem Criança que Nunca Pode Ser Criança, em comemoração ao Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil.
Participaram do evento a secretária executiva do FNPeti, Isa de Oliveira; a presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Maria Izabel da Silva; a diretora-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Laís Abramo; e representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), dos ministérios do Trabalho e Emprego (MTE) e do Desenvolvimento Social (MDS); e da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Para a secretária executiva do FNPeti, Isa de Oliveira, os resultados verificados no levantamento de dados são insuficientes. “ O Brasil é, no cenário internacional, uma referência, mas no, cenário nacional, é questionável. Nós somos capazes de propor estratégias, definir planos, mas estamos devendo em termos de uma execução que tenha resultados efetivos na vida das crianças”, disse Isa, sobre os dados dos últimos anos verificados pelo levantamento.
De acordo com a presidenta do Conanda, Maria Isabel da Silva, isso se deve, em grande parte, às dificuldades de fiscalização. Para Maria Izabel, há de se fortalecer os conselhos tutelares e os centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) para que os profissionais identifiquem o trabalho infantil doméstico.
Um dos pontos destacados pela presidenta do Conanda foi a revogação do Artigo 248 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – que estabelece que a pessoa que receber em casa um menor para a prestação de serviço doméstico deve se apresentar a um juiz para regularizar a guarda, ainda que haja autorização dos pais ou de responsável legal.
“Esse artigo não faz mais sentido se isso [trabalho infantil doméstico] não é mais permitido. Precisamos discutir isso no Congresso”, disse. Desde 2008, a execução de atividades domésticas por crianças e adolescentes é considerada uma das piores formas de trabalho infantil.
Agência Brasil